“Estamos vivendo um ciclo de aumento da Selic no Brasil, o que tem gerado um incremento da parcela de crédito privado nos portfólios, com maior interesse por debêntures”. Essa afirmação, de Mariana Fenelon, Gestora de Renda Fixa do Inter Asset, é uma das suas constatações em sua análise de crédito privado divulgada no Valor Econômico. Utilizando dados da Quantum, a especialista averigua movimentações do mercado e ressalta pontos de atenção do investidor. Confira o artigo na íntegra.
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Análise Crédito Privado: aperto monetário e dispersão de performance
Por Mariana Fenelon para o Valor Econômico
A alocação entre as diferentes classes de ativos, uma das principais demandas dos investidores, exige um equilíbrio dinâmico, que se adapta continuamente às condições e às perspectivas da economia. Estamos vivendo um ciclo de aumento da Selic no Brasil, o que tem gerado um incremento da parcela de crédito privado nos portfólios, com maior interesse por debêntures, por exemplo.
Nada mais natural, pois no mercado local, de fato, este tipo de alocação tende a performar bem neste cenário, pois grande parte dos ativos é precificada de maneira a acompanhar o aumento do CDI (ativos precificados em % do CDI ou em CDI + spread) ou visando proteger o investidor em um cenário de inflação mais elevada (ativos precificados em IPCA + spread). Ativos prefixados no mercado local de crédito privado respondem por uma fração bastante pequena do mercado, diferentemente da renda fixa global, que costuma ser prefixada e acaba sofrendo em momentos de elevação nas taxas de juros.
Apesar das perspectivas positivas macro desta classe, não basta ficar atento apenas às oportunidades. É preciso também avaliar os riscos envolvidos em cada papel. Entre eles, vale a menção aos riscos associados ao prazo de vencimento dos ativos e, ampliado por este, a possível deterioração do perfil de crédito dos emissores neste cenário de aperto monetário
Os emissores e os bancos coordenadores estão aproveitando a forte demanda por crédito no mercado local para emitir papéis mais longos, mesmo para operações não incentivadas e cuja destinação de recursos não seja o financiamento de projetos de infraestrutura. Assim, temos visto um número crescente de operações com vencimentos de sete ou dez anos para emissões não incentivadas, prazos que até então não eram comuns no mercado local.
Em estudo que a Inter Asset realizou com dados da Quantum, desconsiderando as emissões 12.431 (ativos incentivados) com foco no financiamento a infraestrutura, encontramos 22 séries e cerca de R$ 5 bilhões emitidos em 2019 com vencimentos iguais ou superiores a 10 anos. Em 2021, até setembro, esse número já alcança 26 séries e volume superior a R$ 8,3 bilhões – e o pipeline para operações mais longas que serão liquidadas até o final do ano segue bastante aquecido.
Estes papéis mais longos estão mais expostos a uma maior volatilidade associada a diversos fatores de risco, incluindo uma maior probabilidade de que a situação do crédito do emissor se altere nessa janela de tempo mais dilatada.
O ciclo de alta da Selic também é um fator de risco que pode afetar a capacidade de pagamento das empresas, tanto indiretamente, por arrefecer o crescimento econômico, quanto diretamente, por aumentar nas empresas as despesas com pagamento de juros com seu endividamento pós-fixado, consumindo uma parcela maior de uma geração de caixa potencialmente menor.
O risco de crédito ganha relevância em um cenário de juros mais altos. Para ilustrar a sensibilidade deste ponto, há poucos anos, quando convivíamos com juros de dois dígitos, além do “covenant” clássico de alavancagem (geralmente medido pelo indicador de dívida líquida/Ebitda), encontrávamos também a limitação de Ebitda/despesas financeiras (e suas variações), sendo que era comum esse indicador ter como piso 1,5 vez ou 2 vezes para que não ocorresse o vencimento antecipado da dívida ou renegociações de “waiver” com os credores. Infelizmente, com a queda os juros, esse covenant acabou caindo em desuso e essa proteção raramente tem aparecido nas novas emissões.
Mas isso não quer dizer que, caso a Selic atinja dois dígitos, a expectativa seja de problemas generalizados de crédito em nosso mercado. Muito provavelmente, teremos apenas uma maior diversidade de risco (e performance) entre os diferentes emissores e operações, sobretudo com uma maior dispersão de spreads de crédito, apesar de que também com crescimento da probabilidade de eventuais defaults e, como é de se esperar, renegociações (eventos ainda raros nesta nossa curta história no mercado de capitais local).
O crescimento das taxas de juros beneficia as alocações em crédito privado, que devem crescer como percentual da maior parte dos portfólios. Seu desempenho mais disperso torna ainda mais importante que essa alocação seja feita com bons gestores ativos. Com isso, acreditamos que serão ainda mais essenciais processos robustos de análise de crédito e investimento, monitoramento das teses, das empresas e do mercado e uma gestão prudente de riscos.
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- Autora: Mariana Fenelon – Gestora de Renda Fixa da Inter Asset
E-mail: mariana.fenelon@interasset.com.br - Publicação: Valor Econômico. Primeira publicação em 13/10/2021 – Link original da matéria